terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Vida Real - parte 2



Dando continuidade a minha história de vida, de percas, de aprendizado, de derrotas e vitórias identifico nesse momento um sentimento ambíguo: o egoísmo. Diante de tanto sofrimento e dor vivenciados pela minha mãe durante doze anos eu, apesar de não manifestar, não consegui conceber que sendo ainda tão nova e infantil poderia simplesmente perder a pessoa que me colocou no mundo e ainda deveria ensinar-me tantas coisas. Não conseguia entender como existia um Deus, que até minha mãe contava ser tão bom e misericordioso e no entanto deixava uma criança órfão só porque como todo mundo tentava me consolar falando coisas do tipo "Deus precisou dela lá". Tinha tanta gente no mundo sem ocupação nenhuma e Ele precisava logo da minha mãe! E eu?

Bem esse entendimento da hora certa, só me veio após um grande tempo de meditação e estudo sobre os propósitos de Deus na vida das pessoas. Mas como havia contado antes o último pedido dela, tinha sido para rever meu irmão, pois ela o amava com uma intensidade que nem hoje, depois de tantos anos, consigo explicar.

No mesmo dia de seu pedido, minha tia e eu partimos para buscá-lo na fazenda, pois já não havia muito tempo e nós sabíamos disso. No caminho me lembro que ia calada pedindo a Deus (mesmo confusa com relação a Suas vontades) pra que Ele não levasse minha mãe, pois eu cuidaria dela cada vez melhor e pediria para meu irmão também ser melhor, porque eu sabia o quanto precisava dela mesmo que não mais pudesse fazer nada por mim, devido a sua condição.

E a cada quilômetro percorrido também imaginava como poderia ser a vida sem ela, sem sua alegria, sem seus conselhos, sem nossas trocas de cumplicidades. Nós éramos mãe e filha, companheiras, amigas em momentos bons e ruins. Tudo que ela sentia era por mim percebido, e isso é extraordinário porque só convivi com ela um curto período, pois aos meus doze anos ela se foi.

Depois de incansáveis quilómetros chegamos a fazenda onde estava meu irmão e pude notar que se temos um lugar que amamos parece que a natureza em volta senti esse amor e a falta dele também. Minha mãe adorava ir para lá, era um lugar de descanso pra ela. Lá ela fazia coisas simples como cozinhar, plantar suas flores, cuidar de galinhas e todos esses animais. Porém já passará algum tempo desde sua ultima visita e tudo estava triste.

Não sei ao certo se toda essa tristeza estava em meus olhos, ou no local ou ainda se as duas se confundiam em uma espécie de despedida a ela. Os bichos pareciam entender o que havia ido anunciar e as flores pareciam enfrentar rigoroso verão. Nada estava igual, a tristeza se fazia presente na casa quintal e todos os lugares pareciam entender que enfrentaríamos tamanha perca.

Olhei tudo atentamente e vi que realmente não seria fácil aprender a viver sem ela, sem sua alegria, sem seus cuidados. Como alguém que estava ausente se fazia tão presente na própria ausência? Não sabia nem podia mais prever coisa alguma. Senti-me como um filhote tirado da mãe e jogado em meio ao deserto tendo que contar apenas com a própria sorte. Por um momento minha dor foi tão grande que já nem sabia ao certo o que exatamente tinha ido fazer lá. É como se meu espírito tivesse saído de meu corpo e eu tivesse entrado em uma espécie de transe. Fiquei assim por intermináveis segundos e longe pude ouvir quando minha tia chamava meu irmão que vinha caminhando distante com uma ferramenta na mão que não sei dizer qual era. Quando ele se aproximou o que vi foi um corpo magro, branco, mas muito queimado pelo sol, roupas sujas, cabelo grande e um rosto assustado por conta de nossa visita inesperada.

Quando ele se aproximou de nós, minha tia logo foi dizendo que ele fosse se arrumar, pois iria conosco ver nossa mãe que estava doente... Vendo a minha tristeza ele aproximou-se e fazendo de forma que minha tia não ouvisse nossa conversa ele perguntou em voz baixa: "A mãe está muito ruim?" e eu acenei a cabeça e completei dizendo: "É hora de nos despedirmos dela".

Houve curta pausa naquele diálogo secreto, porém jamais poderia imaginar que ela terminasse em uma frase tão desprovida do amor que tinha nos levado até lá: "Eu não quero ir não, não vou resolver o problema".

Continuarei minha história em próximo relato, obrigada pela companhia...