segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Vida Real - parte 3

Partindo do princípio de que toda ação tem uma reação, mediante aquele esquivamento de meu irmão frente a toda a situação a qual todos nós estávamos enfrentando, minha primeira vontade foi a de virar-lhe as costas e partir de volta para casa onde estava minha mãe, que eu também gostava de chamar de "minha princesinha", e nunca mais voltar lá para vê-lo, pois não conseguia entender como uma criatura conseguia manter-se tão fria diante de uma ocasião tão dolorosa.
Naquele momento respirei fundo e em um último esforço disse com voz firme: "Você tem que ir sim, pois ela pediu para vê-lo e assim será feito". Ele com certeza sentiu meu descontentamento e logo se fez pronto para seguirmos viajem de volta para nossa casa. Lembro bem de minha tia nos dizendo sobre toda a situação que iríamos enfrentar e que deveríamos nos manter firmes, principalmente para ajudar nosso pai, que antes sempre foi tão altivo e decidido, mas agora estava também fragilizado sem seu pilar de sustentação.
À medida que nos aproximávamos de casa, meu coração sentia que a hora da despedida estava próxima, que isso seria uma dor inevitável e além de já esperada, não havia jeito de preparar-se para ela. Meu irmão continuava inerte. Não dizia uma só palavra, parecia estar alheio a tudo e assim foi até nossa chegada em casa.
Quando entramos na porta da sala nos deparamos com nosso pai saindo do quarto onde estava nossa mãe. Por uns longos segundos o silêncio se fez presente e só o que fazíamos era entreolharmos sem saber muito o que dizer. Meu pai não falava com meu irmão desde quando ele o deixou na fazenda, e o clima nesse momento de reencontro ficou um pouco desconcertado, pelo afastamento, pelas palavras ditas, pelas mágoas e pelo descontentamento. Logo minha tia quebrou o silêncio e pediu a meu irmão que cumprimentasse meu pai e também ao meu pai pediu que ele levasse meu irmão até minha mãe.
Quando entramos todos no quarto, meu pai sentou-se ao lado dela na cama e levantando-a carinhosamente disse-lhe mostrando meu irmão: "Aqui está nosso filho". Ela o olhou atentamente como se procurasse nele algum arranhão ou machucado embora já quase não enxergasse mais queria ver a face de meu irmão, mostrando que sua maior preocupação não era o seu próprio estado de saúde, mas sim saber como ele estava. Quando percebeu que nada o havia acontecido de ruim, ela olhou para meu pai e sorriu.  
Minha mãe já não falava, pouco enxergava, também já não andava mais, apenas ouvia e através deste único sentido que restou-lhe eu a mantinha interliga do mundo a sua volta. Virava as noites contando a ela tudo que se passava a sua volta e o que faríamos quando ela melhorasse. Naquele dia fiquei contando a ela sobre como estava à fazenda, sua flores, seus bichos, dizendo que todos sentiam falta dela e que agora nossa família estava junta novamente.
As horas passavam, porém minha angústia não. Tentava não pensar em nada só no momento que estávamos juntas. Sempre acreditei muito em tudo que minha tia dizia, porém daquela vez não queria, não aceitava que poderia ser verdade. Todo mundo podia errar, então ela podia está errada. Pelo menos era o que eu queria.
O dia passou e quando anoiteceu eu percebi que nosso tempo estava acabando. Na verdade eu não sabia mais como reverter aquele quatro e sentada ao lado de minha mãe eu falei: "Princesinha eu estou aqui, e sei que você também estará comigo. Sei que você está cansada e eu também estou, mais se você conseguir aguentar um pouco mais eu também aguento". Até hoje peço perdão a Deus e a ela por tamanho egoísmo.
Quando o dia amanheceu eu percebi que a hora havia chegado. Minha tia organizava a casa e falava baixo com meu pai pelos cantos. Meu irmão parecia desconhecer os acontecimentos e passava as horas dentro do outro quarto. Ele não havia mais se aproximado de nossa mãe, pois dizia não gostar de vê-la daquele jeito. Quando o relógio marcou exatamente 14h00min, minha tia nos chamou e disse a nós três: Peguem uma vela, pois é chegada a hora.