quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Presente de Deus

Durante algum tempo em minha vida éramos apenas quatro componentes de uma família, meu pai, minha mãe, meu irmão e eu. Após a morte de minha mãe comecei a questionar-me sobre assuntos que começavam a alcançar-me sem minha permissão previa, como por exemplo questões práticas femininas e também sobre casa, e demais coisas que eu como precoce atual dona de casa deveria aprender, pois agora eu era a única "mulher".
A primeira coisa que sentimos em um recomeço é medo. Medo do novo, do desconhecido e de tudo aquilo que julgamos pesados demais para carregar. Nós sempre fomos muito família, porém pelo então génio difícil de meu pai, nós éramos crianças criadas meio "isoladas" dos primos e demais agregados. Porém apesar dessa "impenetrável" casca dura que meu pai usava para impor-nos respeito, uma frágil flor conseguia romper tamanha barreira e alegrar nossos dias com sua contagiante alegria, minha prima Anne.
Eu poderia aqui contar sobre quanto ainda hoje ela é guerreira com a vida e com os que ousam interromper-lhe o caminho, mas quem a conhece tem certeza de sua força e quem não a conhece duvidaria que no mundo existisse ser humano tão extraordinário assim. Um vez li em um livro do Pe. Fábio de Melo e de Gabriel Challita, sobre o significado do ordinário e do extraordinário no cotidiano de nossas vidas. Eles falavam de como o ordinário, que nada mais é do que toda a rotina que vivemos, acordar, tomar banho, trabalhar, etc., pode tornasse extraordinário quando deixamos de agir por mecanismos pré-programados. Coloco isso para ilustrar como a Anne tem esse poder transformador de tornar o ordinário super extraordinário!
A Anne é uma pessoa que convive com inúmeros problemas de saúde, e por muitas vezes acompanhei suas internações que parecia não ter mais fim. Se fomos analisar friamente o cotidiano de uma paciente internada, perceberemos que sua rotina se resume em tomar medicamentos, ficar deitada o dia inteiro, receber o médico, enfermeiras e tudo mais que faz parte da vida em um hospital. No entanto com Anne essa regra a ser seguida na maioria das vezes era quebrada.
Recordo-me de uma vez quando nos internamos (digo nos, pois eu literalmente me internava com ela), no primeiro andar do hospital e durante o dia nos comportávamos normalmente, porém durante a noite, íamos as duas de branco pelo corredor escuro até uma janela que dava de frente para uma casa que tinha um vigia e de lá ascenavamos para ele na intenção de assustá-lo, fazendo ele pensar que éramos duas assombrações! Nossa quanto medo ele passou!
E assim nós vencíamos mais um longo período de privações, agulhas, noites em claro, exames diários e tudo que a Anne já tira de letra. Também recordo que quando fiquei órfã e ela me "adotou", fazia mais ou menos um ano que ela havia casado, e vou falar, casou com um cara que mais parece um anjo (não por que ele tenha olhos verdes e cabelos loiros e cacheados), mas por ser um homem maravilhoso, que até hoje cuida dela como um verdadeiro anjo da guarda. Acho que nunca vou me perdoar com que fazia com aquele homem "santo". Eu tinha pânico de dormir no escuro e sozinha, e fins de semana eu dormia na casa deles. Imaginem que na hora de dormir eu até tentava ficar na minha na sala mas quando tudo silenciava minha gente eu pegava meu cobertor entrava no quarto e, acreditem se puderem, eu mandava ele abrir espaço e caia na cama. E assim dormíamos nós três unidos pela força do medo! Do meu medo!
Bem como falei conviver com a Anne é realmente algo extraordinário. A força que ela tem vai contra as leis da natureza e além das de sobrevivência. A minha vida passou por um momento de transição muito difícil e devo reconhecer que sem ela em minha vida eu sobreviveria, mas nem de longe eu aprenderia tudo que aprendi com essa mulher igualmente "santa".
Digo "santa" porque todo aquele que vive para amar e respeitar o próximo como ela ama e assim me ensinou, é um ser iluminado por Deus. Confesso que quando me veio a cabeça escrever  sobre a Anne, páginas e páginas encheram-se em minha mente que logo desenrolou inúmeros acontecimentos por nós vividas, as noites que saíamos juntas, que fazíamos farra na piscina, que tínhamos que empurrar o fusquinha no meio da rua para que ele pegasse... Nossa são tantas coisas boas e alegres vividas na inocência de duas vidas ligadas inicialmente pelos laços de sangue e concretamente firmadas na dor de uma perca que culminou no nascimento de um amor de uma irmandade inabalável.
Quando penso na Anne logo me vêem momentos de felicidade e onde a tristeza era coisa de poeta. E de poeta pessimista! Tê-la como irmã, por que é isso que somos, é um presente de valor inestimável que Papai do Céu me deu, tê-la como amiga é a honra de ter recebido um prémio Nobel da Paz ( e olha que nunca recebi um, AINDA!), tê-la como parte de minha família é entender que Deus me ama muito e quiz o melhor para minha vida, tê-la em minha casa é uma novidade porque ela quase nunca vem aqui! Anne você ilumina minha vida, me mostra quão é importante sermos pessoas de bem e comprometidas com o bem.
Você me ensinou que ser bom não tem nada a ver com não fazer nada de errado, mas sim fazer tudo que é certo porque sermos nós mesmo não basta, temos que ser sempre pessoas melhores. Você me ensinou que na vida precisamos ter coragem, que ter medo não nos diminui mas também não deve nos paralisar. Você me ensinou que pai e mãe são criaturas sagradas e que as vezes podemos discordar, mas nunca devemos abandoná-los pois nossas origens estão ali impressas e nunca devemos nos esquecer de onde viemos. Você me ensinou que ser feliz a dois é bom e é necessário e que isso não segrega os demais e sim aumenta as fontes de amores. Você me ensinou muita coisa que aqui não conseguiaria elencar, todavia não conseguiria expressar de forma objetiva neste espaço apenas. 
Termino esse singelo relato chegando a um conclusão orgulhosa: sou uma privilegiada. Aposto que encontraria muitos outros igualmente assim se considerarmos a lista de amigos e admiradores que a Anne possui. Posso dizer que nem em um livro de numerosas páginas não conseguiria desenvolver um texto a altura de minha homenageada. E como é difícil encerrar a escrita sobre alguém cuja grandiosidade supera qualquer obra feita pelo homem. Porém isso eu consigo explicar. Você é uma obra feita por Deus e nenhum homem no auge de sua inteligência conseguiria reproduzir tamanha jóia. E assim encerro falando que te amo muito dizendo apenas OBRIGADA POR TUDO!