quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Vida Real - Final

Chega a ser engraçado quando penso hoje no que passou na minha cabeça naquele dia ensolarado de sábado à tarde. Sempre ouvir dizer, no auge de minha inocência de criança, que quando uma pessoa boa morria necessariamente chovia, pelo menos tinha sido assim no velório de minha avó, meu tio e de alguns poucos conhecidos que minha curta experiência de vida já tinha contemplado. 
Bem como citei no momento em que minha tia anunciava que havia chegado a hora, o sol mostrava-se radiante e como em um último suspiro de esperança lembrei-me do que a crendice popular me contara desde de cedo e com os olhos fechados torci pela última vez que minha tia estivesse equivocada...
Eu não a admiraria menos por isso, mas com certeza meu coração iria pular dentro do peito na certeza de que eu não ficaria sem minha princesa, que durante tanto tempo eu havia cuidado com verdadeiro carinho de mãe, misturando assim os papéis em uma simbiose de amor sem perceber quem nascerá primeiro, importando apenas que uma era parte da outra e isso mantinha esse amor vivo, mesmo diante dos prognósticos de morte.
E assim aconteceu, peguei uma vela e pedi sua benção pela última vez. Ela não respondeu verbalmente, pois não falava mais, e juntamente com meu pai e meu irmão observei sua passagem que parecia não doer, e acho que não doeu pelo menos nela, por que em mim instalava-se uma sensação de desespero que vinha de dentro para fora rasgando meu coração em uma dor que me entalava a garganta e me dava uma sensação de sufocamento.
Naquele momento não sentia minha pernas, e parecia que aquela realidade estava cada vez mais distante. De repente me lembrei das palavras de minha tia "só chora quando a tia chorar", e tentei em um esforço sobre humano me recompor respirando fundo e segurando na mão de minha mãe que estava tão perto de mim porém, afastando-se a uma distância inalcançável: a morte.
Como disse no começo sempre tive uma visão espírita da morte, onde tudo não passa de uma transformação na forma de vida, porém adequar isso a realidade do momento da perda, sabendo separar a dor racional da irracional é praticamente impossível em momentos como este onde o que está em jogo é alguém que você ama profundamente.
E assim ela se foi, do jeito que ela queria, com a família reunida ao seu redor. E assim nós a vimos partir reunidos e compenetrados em nossa dor. Eu estava firme e me mantinha concentrada para não chorar, não me desesperar, para não morrer junto com ela, só acho que esse último não consegui, pois um galho quando morre faz também morrer uma pouco da árvore que o abriga. E quando morre a árvore? O galho pode sobreviver? Depende se o auxílio ao galho for rápido, se for o galho de uma roseira ela com certeza brotará novamente.
É isso que eu era, o galho de uma roseira linda, que encontrou espinhos ao longo de sua estrutura, mas mesmo assim deu rosas lindas que encantaram nossas vidas. Com a sabedoria de um líder, minha tia rapidamente plantou-me nos olhos verdes de meu pai agora encharcados pela chuva de lágrimas provocadas pela nuvem de tristeza que pousava sobre todos. E assim ele regou-me, com suas lágrimas incessantes que transmitiam a profunda tristeza que sentia por se sentir sozinho, com medo do futuro, da vida como um barco que perde o remo em meio ao mar.
Apesar da tristeza já esperada, algo me surpreendeu naquele momento. Meu irmão, depois de alguns dias de distanciamento simplesmente também se entregou ao choro desesperado que o momento permitia. Aquela cena misturou-me a emoções e as conclusões que até então eu tinha sobre ele. De repente reconheci nele um sentimento de amor que há tempos havia deixado de procurar e que me mostrou que este uma vez plantado mesmo em solo "morto" pode também germinar às vezes de forma tímida, porém aparente.
Isso me intrigou, pois em meio a tanta tristeza, pude sentir um pouco de alegria e percebi que minha mãe buscou a vida inteira por uma coisa que somente conseguiu quando teve quer doar-se totalmente. Pelo menos ela havia conquistado seu objetivo que era o de mostrar ao meu pai que de filho não se desistia nunca, e se esse filho tivesse sido escolhido pelos pais aí mesmo que não se abria mão deles, pois eles tiveram a opção de tê-lo ou não e assumir as responsabilidades de nossas escolhas era preciso. Na vida podemos escolher o que plantamos, porém o que colhemos é estritamente obrigação nossa.
E termino falando das lições que aprendi com minha mãe, minha tia, com a vida que desde muito cedo sempre foi rígida comigo e principalmente com o amor incondicional que um ser humano pode E DEVE ter pelo próximo, mesmo que este não o ame ou não demonstre isso, pois quando plantamos amor, colhemos rosas que podem ter e têm espinhos, mas espinhos quando espetados nos dedos nos dão a certeza de que somos humanos e que sempre teremos qualidades e defeitos. 

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Vida Real - parte 3

Partindo do princípio de que toda ação tem uma reação, mediante aquele esquivamento de meu irmão frente a toda a situação a qual todos nós estávamos enfrentando, minha primeira vontade foi a de virar-lhe as costas e partir de volta para casa onde estava minha mãe, que eu também gostava de chamar de "minha princesinha", e nunca mais voltar lá para vê-lo, pois não conseguia entender como uma criatura conseguia manter-se tão fria diante de uma ocasião tão dolorosa.
Naquele momento respirei fundo e em um último esforço disse com voz firme: "Você tem que ir sim, pois ela pediu para vê-lo e assim será feito". Ele com certeza sentiu meu descontentamento e logo se fez pronto para seguirmos viajem de volta para nossa casa. Lembro bem de minha tia nos dizendo sobre toda a situação que iríamos enfrentar e que deveríamos nos manter firmes, principalmente para ajudar nosso pai, que antes sempre foi tão altivo e decidido, mas agora estava também fragilizado sem seu pilar de sustentação.
À medida que nos aproximávamos de casa, meu coração sentia que a hora da despedida estava próxima, que isso seria uma dor inevitável e além de já esperada, não havia jeito de preparar-se para ela. Meu irmão continuava inerte. Não dizia uma só palavra, parecia estar alheio a tudo e assim foi até nossa chegada em casa.
Quando entramos na porta da sala nos deparamos com nosso pai saindo do quarto onde estava nossa mãe. Por uns longos segundos o silêncio se fez presente e só o que fazíamos era entreolharmos sem saber muito o que dizer. Meu pai não falava com meu irmão desde quando ele o deixou na fazenda, e o clima nesse momento de reencontro ficou um pouco desconcertado, pelo afastamento, pelas palavras ditas, pelas mágoas e pelo descontentamento. Logo minha tia quebrou o silêncio e pediu a meu irmão que cumprimentasse meu pai e também ao meu pai pediu que ele levasse meu irmão até minha mãe.
Quando entramos todos no quarto, meu pai sentou-se ao lado dela na cama e levantando-a carinhosamente disse-lhe mostrando meu irmão: "Aqui está nosso filho". Ela o olhou atentamente como se procurasse nele algum arranhão ou machucado embora já quase não enxergasse mais queria ver a face de meu irmão, mostrando que sua maior preocupação não era o seu próprio estado de saúde, mas sim saber como ele estava. Quando percebeu que nada o havia acontecido de ruim, ela olhou para meu pai e sorriu.  
Minha mãe já não falava, pouco enxergava, também já não andava mais, apenas ouvia e através deste único sentido que restou-lhe eu a mantinha interliga do mundo a sua volta. Virava as noites contando a ela tudo que se passava a sua volta e o que faríamos quando ela melhorasse. Naquele dia fiquei contando a ela sobre como estava à fazenda, sua flores, seus bichos, dizendo que todos sentiam falta dela e que agora nossa família estava junta novamente.
As horas passavam, porém minha angústia não. Tentava não pensar em nada só no momento que estávamos juntas. Sempre acreditei muito em tudo que minha tia dizia, porém daquela vez não queria, não aceitava que poderia ser verdade. Todo mundo podia errar, então ela podia está errada. Pelo menos era o que eu queria.
O dia passou e quando anoiteceu eu percebi que nosso tempo estava acabando. Na verdade eu não sabia mais como reverter aquele quatro e sentada ao lado de minha mãe eu falei: "Princesinha eu estou aqui, e sei que você também estará comigo. Sei que você está cansada e eu também estou, mais se você conseguir aguentar um pouco mais eu também aguento". Até hoje peço perdão a Deus e a ela por tamanho egoísmo.
Quando o dia amanheceu eu percebi que a hora havia chegado. Minha tia organizava a casa e falava baixo com meu pai pelos cantos. Meu irmão parecia desconhecer os acontecimentos e passava as horas dentro do outro quarto. Ele não havia mais se aproximado de nossa mãe, pois dizia não gostar de vê-la daquele jeito. Quando o relógio marcou exatamente 14h00min, minha tia nos chamou e disse a nós três: Peguem uma vela, pois é chegada a hora.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Vida Real - parte 2



Dando continuidade a minha história de vida, de percas, de aprendizado, de derrotas e vitórias identifico nesse momento um sentimento ambíguo: o egoísmo. Diante de tanto sofrimento e dor vivenciados pela minha mãe durante doze anos eu, apesar de não manifestar, não consegui conceber que sendo ainda tão nova e infantil poderia simplesmente perder a pessoa que me colocou no mundo e ainda deveria ensinar-me tantas coisas. Não conseguia entender como existia um Deus, que até minha mãe contava ser tão bom e misericordioso e no entanto deixava uma criança órfão só porque como todo mundo tentava me consolar falando coisas do tipo "Deus precisou dela lá". Tinha tanta gente no mundo sem ocupação nenhuma e Ele precisava logo da minha mãe! E eu?

Bem esse entendimento da hora certa, só me veio após um grande tempo de meditação e estudo sobre os propósitos de Deus na vida das pessoas. Mas como havia contado antes o último pedido dela, tinha sido para rever meu irmão, pois ela o amava com uma intensidade que nem hoje, depois de tantos anos, consigo explicar.

No mesmo dia de seu pedido, minha tia e eu partimos para buscá-lo na fazenda, pois já não havia muito tempo e nós sabíamos disso. No caminho me lembro que ia calada pedindo a Deus (mesmo confusa com relação a Suas vontades) pra que Ele não levasse minha mãe, pois eu cuidaria dela cada vez melhor e pediria para meu irmão também ser melhor, porque eu sabia o quanto precisava dela mesmo que não mais pudesse fazer nada por mim, devido a sua condição.

E a cada quilômetro percorrido também imaginava como poderia ser a vida sem ela, sem sua alegria, sem seus conselhos, sem nossas trocas de cumplicidades. Nós éramos mãe e filha, companheiras, amigas em momentos bons e ruins. Tudo que ela sentia era por mim percebido, e isso é extraordinário porque só convivi com ela um curto período, pois aos meus doze anos ela se foi.

Depois de incansáveis quilómetros chegamos a fazenda onde estava meu irmão e pude notar que se temos um lugar que amamos parece que a natureza em volta senti esse amor e a falta dele também. Minha mãe adorava ir para lá, era um lugar de descanso pra ela. Lá ela fazia coisas simples como cozinhar, plantar suas flores, cuidar de galinhas e todos esses animais. Porém já passará algum tempo desde sua ultima visita e tudo estava triste.

Não sei ao certo se toda essa tristeza estava em meus olhos, ou no local ou ainda se as duas se confundiam em uma espécie de despedida a ela. Os bichos pareciam entender o que havia ido anunciar e as flores pareciam enfrentar rigoroso verão. Nada estava igual, a tristeza se fazia presente na casa quintal e todos os lugares pareciam entender que enfrentaríamos tamanha perca.

Olhei tudo atentamente e vi que realmente não seria fácil aprender a viver sem ela, sem sua alegria, sem seus cuidados. Como alguém que estava ausente se fazia tão presente na própria ausência? Não sabia nem podia mais prever coisa alguma. Senti-me como um filhote tirado da mãe e jogado em meio ao deserto tendo que contar apenas com a própria sorte. Por um momento minha dor foi tão grande que já nem sabia ao certo o que exatamente tinha ido fazer lá. É como se meu espírito tivesse saído de meu corpo e eu tivesse entrado em uma espécie de transe. Fiquei assim por intermináveis segundos e longe pude ouvir quando minha tia chamava meu irmão que vinha caminhando distante com uma ferramenta na mão que não sei dizer qual era. Quando ele se aproximou o que vi foi um corpo magro, branco, mas muito queimado pelo sol, roupas sujas, cabelo grande e um rosto assustado por conta de nossa visita inesperada.

Quando ele se aproximou de nós, minha tia logo foi dizendo que ele fosse se arrumar, pois iria conosco ver nossa mãe que estava doente... Vendo a minha tristeza ele aproximou-se e fazendo de forma que minha tia não ouvisse nossa conversa ele perguntou em voz baixa: "A mãe está muito ruim?" e eu acenei a cabeça e completei dizendo: "É hora de nos despedirmos dela".

Houve curta pausa naquele diálogo secreto, porém jamais poderia imaginar que ela terminasse em uma frase tão desprovida do amor que tinha nos levado até lá: "Eu não quero ir não, não vou resolver o problema".

Continuarei minha história em próximo relato, obrigada pela companhia...

sábado, 8 de janeiro de 2011

Vida Real - parte 1



Tudo que escrevo em algum momento da vida já fez parte do meu cotidiano ou até ainda faz. São experiências de vida que em muito me acrescentam e me fazem perceber que até as situações ruins são na verdade aprendizados sobre o valor que se dá a determinadas coisas.

Bem falando em valor e aprendizado posso dizer que ainda tenho muita coisa pra viver, porém aprendi desde muito cedo que família não significa apenas laços sanguíneos, mas escolhas, cuidado, abstenções e dedicação.

Desde muito cedo, convivi com responsabilidades que fugia ao normal do convencional de uma criança. Minha mãe tinha lúpus, uma doença sem causa nem tratamentos definidos e que tem sintomas ligados mais aos estados emocionais do que aos fisiológicos o que dificultava ainda mais o controle da doença tendo em vista que até uma alegria a mais poderia ser prejudicial a ela, e eu sempre procurei ter muito cuidado com toda a sua fragilidade. Nossa família era composta por ela, meu pai meu irmão e eu, sendo que meu irmão, que também era mais velho, tinha sido adotado a um mês de vida pois minha mãe já havia tentado sem sucesso engravidar e não tinha mais a esperança de ter um filho consaguíneo.

Depois de um ano e alguns meses ela simplesmente engravidou e após meu parto os sintomas começaram a aparecer. Logo que começamos a ir a escola, meu irmão começou a mostrar-se arredio e apenas meu pai o controlava pois era rígido e ele o temia. Porém no passo que os anos passavam ele ficou cada vez mais rebelde e sem controle e isso debilitava minha mãe a cada dia.

Em determinado momento foi contado a ele sua real condição de filho adotado, e minha mãe na esperança de mostrar-lhe quão foi sua sorte de ter sido criado por uma família que o amava pediu-lhe que procurasse ser melhor pois ela já não dispunha de saúde para intervir entre ele e meu pai que já nem conseguia entender o porque de ter cuidado de alguém que parecia odiar-lhes.

Porém nada mudou e aos 13 anos apenas meu pai simplesmente desistiu... No entanto minha mãe apesar de aparentemente mais frágil ainda não havia desistido e pediu ao meu pai que pelo menos o colocasse para trabalhar de braçal em nossa fazenda e para não contrariá-la assim foi feito.

No dia em que meu irmão saiu de casa, profunda tristeza cobriu o olhar de minha mãe que agora longe do filho que ela tinha escolhido para ser seu, só pensava em como juntar novamente a família que ela tanto amava e que um dia em um lindo sonho havia visto como seu refúgio, seu porto seguro.

Dias se passaram e mesmo doente, devido aos acontecimentos, ela decidiu que iria vê-lo e meu pai sem ter como dizer não a levou. Lembro de quando ela chegou em casa me chamou no reservado e com olhos encharcados disse-me como voz trêmula: "seu irmão está magro e com calos nas mãos, seu pai não me deixou dar-lhe dinheiro nem os biscoitos que tanto gosta, mas vou comprar, nem que seja escondido, uma luva para proteger suas mãos que estão machucadas pelos calos."

Eu apenas confirmei com a cabeça, pois nós éramos cúmplices no amor que sentíamos por ele e assim ela fez. Passadas mais algumas semanas minha mãe já não conseguia mais levantar da cama, as refeições eram feitas lé mesmo e o banho tinha o auxílio de meu pai que carinhosamente a levava nos braços para o banheiro para que pudéssemos banhá-la.

Seu estado foi a cada dia piorando e ela já pouco falava, mas conseguia pedir que não deixássemos que ninguém a visse naquele daquele jeito. Ela era muito alegre e em seus momentos de saúde adorava rir, dançar e cozinhar. Logo suspendemos as visitas e só as pessoas de casa tinha acesso a ela. Dentre essas pessoas estava minha tia irmã de meu pai, porém mais parecia mãe de minha mãe, devido a dedicação que ela tinha com todos nós.

Ela é espírita e por isso eu sempre convivi com essa idéia de morte e de vida após a morte, contudo não imaginava, pois acho que isso ninguém imagina, que eu perderia minha mãe. Primeiro porque eu também convivia com a doença dela desde bebê e já havia me acostumado com seus altos e baixos, e segundo porque eu achava que pai e mãe eram criaturas imortais. Até que três dias antes de sua partida, minha tia me chamou fora do quarto (eu já não saiu mais de lá a uma semana, durante o dia e a noite que por sinal eu ficava no chão ao lado da cama juntamente com meu pai, com uma vela na mão pois tínhamos medo de ela precisar de algo e nós não percebermos) e me disse:"Princesa precisamos nos despedir de sua mãe, porque já lutou demais e essa semana ela vai descansar. Mas filha não tenha medo e só chora quando eu chorar"

Quando ela já não tinha mais forças para lutar contra a doença que sem piedade consumiu até mesmo sua voz, ela esperou meu pai chegar do trabalho e acenando com muita dificuldade chamou-lhe para perto dela e em um esforço sobrenatural lhe pediu ao pé de ouvido: "Quero meu filho!". Foi a ultima vez que ela falou.

Continuarei contando essa história que nada mais é do que biografia de minha vida no próximo texto. Obrigada até aqui e, por favor, esperem a continuação...