sábado, 8 de janeiro de 2011

Vida Real - parte 1



Tudo que escrevo em algum momento da vida já fez parte do meu cotidiano ou até ainda faz. São experiências de vida que em muito me acrescentam e me fazem perceber que até as situações ruins são na verdade aprendizados sobre o valor que se dá a determinadas coisas.

Bem falando em valor e aprendizado posso dizer que ainda tenho muita coisa pra viver, porém aprendi desde muito cedo que família não significa apenas laços sanguíneos, mas escolhas, cuidado, abstenções e dedicação.

Desde muito cedo, convivi com responsabilidades que fugia ao normal do convencional de uma criança. Minha mãe tinha lúpus, uma doença sem causa nem tratamentos definidos e que tem sintomas ligados mais aos estados emocionais do que aos fisiológicos o que dificultava ainda mais o controle da doença tendo em vista que até uma alegria a mais poderia ser prejudicial a ela, e eu sempre procurei ter muito cuidado com toda a sua fragilidade. Nossa família era composta por ela, meu pai meu irmão e eu, sendo que meu irmão, que também era mais velho, tinha sido adotado a um mês de vida pois minha mãe já havia tentado sem sucesso engravidar e não tinha mais a esperança de ter um filho consaguíneo.

Depois de um ano e alguns meses ela simplesmente engravidou e após meu parto os sintomas começaram a aparecer. Logo que começamos a ir a escola, meu irmão começou a mostrar-se arredio e apenas meu pai o controlava pois era rígido e ele o temia. Porém no passo que os anos passavam ele ficou cada vez mais rebelde e sem controle e isso debilitava minha mãe a cada dia.

Em determinado momento foi contado a ele sua real condição de filho adotado, e minha mãe na esperança de mostrar-lhe quão foi sua sorte de ter sido criado por uma família que o amava pediu-lhe que procurasse ser melhor pois ela já não dispunha de saúde para intervir entre ele e meu pai que já nem conseguia entender o porque de ter cuidado de alguém que parecia odiar-lhes.

Porém nada mudou e aos 13 anos apenas meu pai simplesmente desistiu... No entanto minha mãe apesar de aparentemente mais frágil ainda não havia desistido e pediu ao meu pai que pelo menos o colocasse para trabalhar de braçal em nossa fazenda e para não contrariá-la assim foi feito.

No dia em que meu irmão saiu de casa, profunda tristeza cobriu o olhar de minha mãe que agora longe do filho que ela tinha escolhido para ser seu, só pensava em como juntar novamente a família que ela tanto amava e que um dia em um lindo sonho havia visto como seu refúgio, seu porto seguro.

Dias se passaram e mesmo doente, devido aos acontecimentos, ela decidiu que iria vê-lo e meu pai sem ter como dizer não a levou. Lembro de quando ela chegou em casa me chamou no reservado e com olhos encharcados disse-me como voz trêmula: "seu irmão está magro e com calos nas mãos, seu pai não me deixou dar-lhe dinheiro nem os biscoitos que tanto gosta, mas vou comprar, nem que seja escondido, uma luva para proteger suas mãos que estão machucadas pelos calos."

Eu apenas confirmei com a cabeça, pois nós éramos cúmplices no amor que sentíamos por ele e assim ela fez. Passadas mais algumas semanas minha mãe já não conseguia mais levantar da cama, as refeições eram feitas lé mesmo e o banho tinha o auxílio de meu pai que carinhosamente a levava nos braços para o banheiro para que pudéssemos banhá-la.

Seu estado foi a cada dia piorando e ela já pouco falava, mas conseguia pedir que não deixássemos que ninguém a visse naquele daquele jeito. Ela era muito alegre e em seus momentos de saúde adorava rir, dançar e cozinhar. Logo suspendemos as visitas e só as pessoas de casa tinha acesso a ela. Dentre essas pessoas estava minha tia irmã de meu pai, porém mais parecia mãe de minha mãe, devido a dedicação que ela tinha com todos nós.

Ela é espírita e por isso eu sempre convivi com essa idéia de morte e de vida após a morte, contudo não imaginava, pois acho que isso ninguém imagina, que eu perderia minha mãe. Primeiro porque eu também convivia com a doença dela desde bebê e já havia me acostumado com seus altos e baixos, e segundo porque eu achava que pai e mãe eram criaturas imortais. Até que três dias antes de sua partida, minha tia me chamou fora do quarto (eu já não saiu mais de lá a uma semana, durante o dia e a noite que por sinal eu ficava no chão ao lado da cama juntamente com meu pai, com uma vela na mão pois tínhamos medo de ela precisar de algo e nós não percebermos) e me disse:"Princesa precisamos nos despedir de sua mãe, porque já lutou demais e essa semana ela vai descansar. Mas filha não tenha medo e só chora quando eu chorar"

Quando ela já não tinha mais forças para lutar contra a doença que sem piedade consumiu até mesmo sua voz, ela esperou meu pai chegar do trabalho e acenando com muita dificuldade chamou-lhe para perto dela e em um esforço sobrenatural lhe pediu ao pé de ouvido: "Quero meu filho!". Foi a ultima vez que ela falou.

Continuarei contando essa história que nada mais é do que biografia de minha vida no próximo texto. Obrigada até aqui e, por favor, esperem a continuação...